domingo, agosto 30, 2015

TED, O URSINHO ESCROTINHO, ESTÁ DE VOLTA.

por Chico Marques
para Black & White In Colour


Até 2012, Seth MacFarlane era visto pela crítica e pelo público como uma figura genial da TV americana, responsável pelas séries adultas de animação "American dad" e "Family Guy", dono de um senso de humor politicamente incorreto ao extremo que alterna comédia de altíssimo nível com piadas de péssimo gosto, absolutamente escrotas, sem fazer a menor cerimônia.

Daí veio "Ted", sua estréia no cinema, sobre um ursinho de pelúcia (dublado por Seth McFarlane) que ganha vida e se transforma no melhor amigo de seu dono John (Mark Wahberg), desde a infância até a vida adulta. Juntos, os dois fumam maconha, bebem muito, assistem filmes pornô juntos, enchem a casa de putas com frequência, e se recusam terminantemente a amadurecer e se comportar como adultos comuns.

"Ted" foi um sucesso tão grande que uma sequência era altamente provável. Mas depois do fiasco comercial de seu segundo filme, o engraçadíssimo e injustiçado "A Million Ways To Die In The West", ele entrou na mira da Imprensa Futriqueira de Hollywood. 

A partir daí, a sequência de "Ted" mudou seu status de provável para inevitável. E foi produzida a toque de caixa, o que para McFarland nunca foi um problema, habituado que está a entregar roteiros de episódios de TV sempre na correria.


Pois "Ted 2" está chegando ao cinema nesta semana, e é surpreendentemente bom. 

Parte de uma premissa ainda mais absurda que a do primeiro filme. Agora Ted se casa com sua namorada, a ex-prostituta e ex-junkie Tami-Lynn (Jessica Barth). Então, surgem os primeiros problemas na relação conjugal entre os dois, decorrentes em parte do fato de Ted não possuir um órgão sexual e, consequentente, não poder ter um filho com ela.  

A partir daí, Ted e seu dono saem desembestados por Boston em busca de um doador de esperma para que Tami-Lynne possa engravidar. A cena em que eles invadem a casa do jogador Tom Brady para masturbá-lo enquanto dorme e roubar seu esperma é de rachar de rir. 

Mas paralelo a isso, o Estado de Massachussets decide invalidar o casamento de Ted com Tami-Lynn sob a alegação de que ele não é um ser vivo, e sim um objeto manufaturado. 

Mas não pense que, a partir daí, o filme vá ganhar tons dramáticos. Pelo contrário. Mas não vou entrar em detalhes para não bancar o desmancha-prazeres.


 Estranhamente, vários setores da crítica torceram o nariz para "Ted 2", fazendo uso de alegações no mínimo esdrúxulas. 

Teve gente que reclamou que o filme é longo demais, e que as piadas vem uma atrás da outra com tamanha rapidez que nem dá tempo do espectador rir do que está vendo. Na verdade, não há nada de errado com o roteiro do filme. Essa prática é muito comum entre roteiristas de TV, que não podem se dar ao luxo de perder o telespectador e tratam de sufocá-lo com situações engraçadas contínuas. Ou seja: esses críticos é que não estão habituados a assistir comédias que excedam 90 minutos de duração. 

Teve também quem acusou "Ted 2" de abusar de piadas de mau gosto. Aí já é um pouco demais, não? Quem quiser piadas de bom gosto, que vá ver o novo filme de Woody Allen. As piadas de Seth McFarland são, em sua essência, grossas e de mal gosto. Ele segue uma grande tradição do humor americano, e é um herdeiro legítimo de Mel Brooks, que também nunca primou pela sutileza em seu humor. Essa reclamação é tão ridícula quanto a do delegado comunista Protógenes Queiroz, que tentou tirar o primeiro filme da série de circulação dos cinemas porque não queria que seu filho pequeno visse aquelas cenas (engraçadíssimas) do ursinho fumando maconha.


"Ted 2" traz Amanda Seyfried como uma advogada jovem e maconheira que mexe com o coração do personagem de Mark Wahberg, que está recém-divorciado e carente. Conta também com participações especiais de Morgan Freeman e Liam Neeson, ambos amigos do diretor -- além, é claro, do grande canastrão Sam D. Jones, o Flash Gordon dos Anos 80, que ministra o casamento de Ted e Tami-Lynn na Catedral de Boston. 

"Ted 2" já é um sucesso mundial. Tudo indica que daqui a dois ou três anos teremos um terceiro filme da série aportando nos cinemas. Se isso não servir como recomendação para que você perca duas horas de sua vida assitindo "Ted 2", podemos afirmar que de todas as sequências de comédias de sucesso que chegaram aos nossos cinemas do ano passado para cá -- vide "Débi e Lóide 2" e "Quero Matar Meu Chefe 2" --, nosso adorável ursinho escrotinho ganha de lavada.


TED 2
(2015 - 115 minutos)

Direção e Roteiro
Seth McFarlane

Cinematografia
Michael Barrett

Música
Walter Murphy

Elenco
Seth McFarlane (voz)
Mark Wahlberg
Amanda Seyfried
Liam Neeson
Morgan Freeman
Sam D Jones



em cartaz no Cine Roxy 5 
e no Cinemark Praiamar Shopping





ANNA MUYLAERT FLERTA FORTE COM O BIG BUSINESS EM "QUE HORAS ELA VOLTA?"

por Chico Marques
para Black & White In Colour


Anna Muylaert é, sem sombra de dúvidas, a diretora de cinema mais talentosa de sua geração aqui no Brasil.

Mostrou a que veio já em sua estréia em 2003 com "Durval Discos", uma "dark comedy" absolutamente inusitada sobre o dono de um Sebo de Discos em Pinheiros que está em vias de fechar suas portas e a fauna estranha que entra e sai da loja todos os dias.

Em 2009, lançou seu segundo filme, o originalíssimo "É Proibido Fumar", com Glória Pires e Paulo Miklos, outra "dark comedy" tipicamente paulistana onde solidão e loucura convergem e geram situações surreais que, sabe-se lá como, acabam inseridas no cotidiano de seus protagonistas com uma leveza desconcertante.     

Considerando esses dois êxitos artísticos, a expectativa pelo terceiro projeto de Anna Muylaert era grande a partir do momento em que ela anunciou em seus perfis nas Redes Sociais estar dando início a uma nova empreitada como diretora, produtora e roteirista. 

Mas, estranhamente, ao invés de seguir a linha autoral definida por seus dois primeiros filmes -- e certamente visando ter menos dificuldades na captação de recursos para este projeto --, Anna Muylaert optou por se adequar a certas "normas não escritas" praticadas pelo Ancine e submeteu ao órgão federal um drama social totalmente integrado aos padrões praticados por lá de alguns anos para cá.

O resultado disso chega agora às telas brasileiras, depois de fazer o circuito dos festivais internacionais nos últimos meses.


 "Que Horas Ela Volta?", o terceiro filme de Anna Muylaert, conta a história da pernambucana Val (Regina Casé), que se muda para São Paulo visando dar melhores condições de vida para sua filha, Jéssica, que permanece no interior de Pernambuco sendo criada por uma aparentada. 

Paradoxalmente, Val passa a trabalhar como babá de um menino chamado Fabinho na casa de uma família de classe média alta. 

Treze anos mais tarde, Fabinho (Michel Joelsas) vai prestar vestibular. Jéssica (Camila Márdila), por sua vez, pede ajuda aos patrões de sua mãe para ir à São Paulo prestar a mesma prova, e eles a recebem de braços abertos. 

Mas quando Jessica deixa de seguir certos protocolos, circulando livremente pela casa e não se comportando como "a filha da empregada", a situação se complica -- tanto para ela quanto para Val. 



O problema de "Que Horas Ela Volta?" não está no roteiro de Anna Muylaert, que é muito bem alinhavado e extremamente bem resolvido. 

Também não está na direção de Anna, que procura tirar o melhor proveito tanto dos atores -- todos muito bons, e em performances extremamente convincentes -- quanto dos recursos técnicos a que teve acesso nessa produção, já que dessa vez pôde dispor de um orçamento visivelmente menos apertado que os de seus dois filmes anteriores. 

Na verdade, o problema de "Que Horas Ela Volta?" é que o cinema de Anna Muylaert careteou e perdeu o viço, caindo no lugar comum dos dramas sociais neo-realistas. 

"Que Horas Ela Volta?" é um filme tão quadrado e tão voltado para o gosto popular médio quanto "Central do Brasil".

Com predicados como esses, não é de se espantar o sucesso de público do filme em festivais pelo mundo afora. 



Ao contrário de "Durval Discos" e "É Proibido Fumar", "Que Horas Ela Volta?" não pretende perturbar o público pagante com temáticas existenciais indigestas e saídas estéticas inusitadas. Dá-se por satisfeito cumprindo sua função social com competência dramatúrgica, e ponto.

É um filme que vai ter uma carreira brilhante nos cinemas brasileiros, sem a menor dúvida, graças ao suporte da Globo Filmes, e que pode eventualmente faturar um Golden Globe ou um Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, caso venha a ser indicado pelo Itamaraty -- alguém duvida disso? -- para participar dessas disputas internacionais. 

Mas, convenhamos: daí a achar que a interpretação maneirista de Regina Casé como Val leva alguma chance no páreo do Oscar de Melhor Atriz, só porque ganhou um prêmio em Sundance, aí já é ufanismo demais, não é não?


QUE HORAS ELA VOLTA?
(2015 - 114 minutos)

Roteiro e Direção
Anna Muylaert

Música
André Abujamra

Elenco
Regina Casé
Camila Márdia
Michel Joelsas
Lourenço Mutareli
Karine Teles
Luís Miranda
Theo Werneck
Antonio Abujamra



em cartaz no Roxy Iporanga 4, 
Cinemark Praiamar Shopping 
e Cinespaço Miramar Shopping




EXPRESSO DO AMANHÃ CHEGA COM DOIS ANOS DE ATRASO E COM STATUS DE CLÁSSICO SCI-FI

por Chico Marques 
para Black & White In Colour


"Expresso do Amanhã" foi vítima de uma verdadeira novela que dificultou e muito seu lançamento nos países do Ocidente. A culpa disso é da política confusa do estúdio The Weinstein Company, que comprou os direitos de distribuição do filme. Agora, depois de dois anos de enrolação, o filme finalmente ganha lançamento nos cinemas brasileiros. E acredite: "Expresso do Amanhã" é um filme que merece ser descoberto.

A trama é bem curiosa: num futuro próximo, o Governo falha em uma missão de cessar o Aquecimento Global, culminando no congelamento total do planeta. Wilford (Ed Harris) é um engenheiro que elaborou a construção de um trem que é uma espécie de Arca de Noé sobre trilhos, que salvou os últimos sobreviventes. Os passageiros são separados por suas respectivas classes sociais, e aqueles que não conseguem comprar sua entrada para o trem, são alojados nos últimos vagões do trem -- num lugar conhecido como "a cauda" -- em situações extremamente precárias e se alimentando apenas de pequenas barras de proteína. 

Então, 18 anos mais tarde, a população da cauda resolve dar início a uma rebelião. Liderados por Curtis (Chris Evans), sua intenção é chegar até os primeiros compartimentos, onde poderão controlar o trem e começar uma revolução.


Logo de cara, percebemos no filme que para cada classe social mostrada em cada vagão de "Expresso do Amanhã" foi criado um padrão visual diferente.


As classes mais baixas tem um visual streampunk, bem sombrio.

As classes altas, por sua vez, possuem cores e texturas muito intensas. 

Já a classe média apresenta um visual intermediário entre esses dois extremos.


Daí, ao longo do filme, acompanhamos uma rebelião que começa na "cauda" do trem e segue em direção à sua frente -- e a cada vagão o espectador se depara com um universo social diferente em situações no mínimo eletrizantes.

Esse belíssimo e complexo trabalho da direção de arte para retratar a diversidade desses povos é o que salta aos olhos do público logo de cara. 

Já o trabalho do diretor Joon-Ho Bong coordenando todos os inúmeros detalhes dessa produção intrincadíssima é impresionante, de altíssimo gabarito.

E isso, com certeza, ajudou bastante a conferir uma espécie de "cult following" ao filme. 


Baseado na graphic novel francesa "Le Transperceneige", "Expresso do Amanha" é uma podução visualmente estilosa, e traz um olhar bastante original sobre o que seria um mundo pós-apocalíptico. 

Chris Evans está muito bem no papel principal. Os fãs do capitão América vão gostar de voltar a vê-lo num contexto tão diferente do que estão acostumados.

Sem contar o grande John Hurt e a fabulosa Tilda Swinton, que surgem em situações quase sempre caricatas, mas com atitudes provocativas e sempre marcantes.

A grande sacada de "Expresso do Amanhã" talvez seja mostrar o trem como sendo um ecossistema, onde tudo precisa estar no seu devido lugar, onde a ordem é necessária, e onde a fuga e a liberdade causarão a morte

No comando desse trem, a figura impoluta de Wilford (Ed Harris), que controla tudo e é adorado por (quase) toda a população. 

Convenhamos: é uma reflexão meio pueril sobre a natureza do poder, mas para um filme-pipoca sci-fi de final de Inverno como "Expresso do Amanhã", está de muito bom tamanho.

Sendo assim: divirtam-se.



EXPRESSO DO AMANHÃ
SNOWPIERCER
(2013 - 126 minutos)

Diretor
Joon-ho Bong

Roteiro
Joon-ho Bong
Kelly Masterson

Elenco
Chris Evans
Kang-ho Song
Tilda Swinton
Ah-Sung Ko
Jamie Bell
Octavia Spencer
John Hurt
Alison Pill
Ed Harris
Emma Levie 


em cartaz no Cine Roxy Iporanga 4 
e no Cinemark Praiamar Shopping




WOODY ALLEN ESTÁ DE VOLTA EM MAIS UM PEQUENO GRANDE FILME

por Chico Marques 
para BLACK AND WHITE IN COLOUR


Quem acompanha a carreira de Woody Allen já viu diversas vezes nas tramas de seus filmes situações complicadas que sempre começam do nada. 

Funciona sempre assim: alguém meio atrapalhado(a) ouve acidentalmente uma conversa alheia e fica sabendo de um grande segredo, que, por sua vez, acaba envolvendo a vida dessa pessoa atrapalhada, e, de repente, isso acaba ganhando proporções assustadoras. Nos filmes de Allen, isso pode gerar situações extremamente engraçadas, como acontece em "Manhattan Murder Mystery" (1993) e "Scoop" (2007). Ou então, situações dramáticas e contundentes, como em "Another Woman" (1988) e "Crimes e Contravenções" (1989).

Verdade seja dita: nas mãos de qualquer outro diretor e roteirista, um ponto de partida como esse soaria, em princípio, formulaico e redundante. Mas nas mãos habilidosas de Woody Allen, capazes de criar situações absolutamente inusitadas e levar seus personagens aos rumos mais incertos, sempre com uma leveza cativante, podemos sempre esperar pelo inesperado sem correr o menor risco de uma decepção.


"Homem Irracional", seu novo filme, que acaba de estrear por aqui, é sobre Abe Lucas, um professor de filosofia (Joaquin Phoenix) que está à beira do suicídio. Cansou de viver, não vê mais graça ou sentido em coisa alguma, não consegue mais fazer sexo, e só não cansa de filosofar sobre sua condição. Já tentou de tudo na vida, desde ativismo político até a vida boêmia, e nada fez a menor diferença. 

Para piorar, ele se vê envolvido com duas mulheres ao mesmo tempo: Rita Richards (Parker Posey), uma professora solitária que espera que ele a ajude a cair fora de seu casamento falido, e Jill Pollard (Emma Stone), sua melhor aluna, que acaba se tornando também sua melhor amiga. 

Apesar de amar seu namorado Roy (Jamie Blackley), Julie não consegue evitar ficar encantada com a personalidade artística e com o passado exótico que torturam Abe em seu dia a dia. Passa a achá-lo um homem irresistível. Mas ele se recusa a ter um romance com ela. Prefere tê-la apenas como amiga. 

Até que um dia, num restaurante, os dois escutam na mesa ao lado revelações terríveis numa conversa entre dois estranhos. E essa conversa traz Abe repentinamente de volta ao mundo dos vivos com um vigor existencial que ele jamais experimentara antes e determinado a assassinar um juiz inapto e corrupto que ele nem sequer conhece. Parte do pressuposto de que, por não ter vínculo algum com a história que ouviu, será capaz de cometer o crime perfeito. 

Desnecessário dizer que sua recém-descoberta razão de viver vai provocar uma cadeia de acontecimentos, afetando profundamente as vidas de todos os que o cercam.


"Homem Irracional" é uma comédia dramática filosófica com ares de fábula judaica que somente Allen, com a bagagem a ele conferida por seus 79 anos bem vividos, seria capaz de realizar. 

Joaquin Phoenix está simplesmente espetacular como Abe: um papel dificílimo, que exige uma duplicidade dramática que poucos atores seriam capazes de fazer caber num mesmo personagem. 

Já Parker Posey faz uma Rita complexa e contundente. 

E Emma Stone... bem, Emma Stone é encantadora em qualquer circunstância, ponto.


Se você é daqueles que vibram com os filmes de Woody, corra para ver "Homem Irracional". É diversão garantida. Uma reflexão espirituosa e bem-humorada sobre moralidade, infidelidade, passividade e mortalidade, num filme absolutamente encantador. Mezzo Hitchcock, Mezzo Lubitsch: uma combinação perfeita.

Agora, se você é daqueles que odeiam os filmes de Woody Allen, fuja de mais esse aqui. 

Acredite: vai ser melhor assim.


HOMEM IRRACIONAL
Irrational Man
(2015 - 97 minutos)

Direcão e Roteiro
Woody Allen

Elenco
Joaquin Phoenix
Emma Stone
Parker Posey
Jamie Blackley


em cartaz do Cine Roxy Iporanga 4
 e no Cinespaço Miramar Shopping