por Chico Marques
para BLACK AND WHITE IN COLOUR
Bons tempos em que as pessoas se escandalizavam com cenas de sexo repletas de densidade existencial em filmes de Louis Malle e Bernardo Bertolucci.
Temas tabú abordados com criatividade e talento eram a especialidade deles dois.
Malle abordou o "incesto materno" com uma delicadeza ímpar em SOPRO NO CORAÇÃO (1972, com Lea Massari), enquanto Bertolucci optou por uma abordagem intensa e operística ao mesmo tema em LA LUNA (1979).
Malle mergulhou fundo no tema "pedofilia" e expôs com uma naturalidade desconcertante o universo de uma menina de 12 anos já bem sexualizada em PRETTY BABY (1978), enquanto Bertolucci nadou de braçada numa abordagem mais filosófica do assunto em BELEZA ROUBADA (1996).
Malle desafiou limites quando criou a contundente cena do estupro de "Lacombe Lucien" (1973), enquanto Bertolucci optou por trabalhar na linha tênue que separa os temas "estupro" e "sexo grupal" na cena de sexo a três não muito consensual que rola entre uma camponesa e a dupla de amigos Robert de Niro e Gerard Dépardieu em "Novecento" (1975).
E olha que nem fizemos menção aqui à cena desesperada de sexo anal entre Marlon Brando e Maria Schneider em "O Último Tango em Paris" (1973), de Bernardo Bertolucci, e às cenas de sexo repletas de tragicidade entre Juliette Binoche e seu sogro Jeremy Irons em "Perdas e Danos" (1992), de Louis Malle.
Por essas e outras, chega a ser patético ver o público do Festival de Cinema de Cannes, outrora tão descolado e cosmopolita, se escandalizando e aplaudindo bobagens como "Azul É A Cor Mais Quente" -- exibido em Cannes dois anos atrás com muito estardalhaço, mas grande apelo de bilheteria -- e agora esse ridículo "Love" (2015), rodado em 3D pelo altamente duvidoso diretor argentino Gaspar Noé -- o mesmo responsável por filmes ultraviolentos como "Irreversível" (2002), "Viagem Alucinante" (2009) e "Sozinho Contra Todos" (1998).
O pinto mole do protagonista alter-ego do diretor, que passeia pela tela em close-ups em 3D boa parte do tempo, já dá o tom do embuste que o espectador vai enfrentar nessa trama cansativa em que um cidadão chamado Murphy recebe o telefonema da mãe de sua ex-namorada, Elektra, que não vê há alguns anos, para informá-lo do desaparecimento dela -- e isso provoca nele um longo flashback com cenas dos quase dois anos em que estiveram juntos, relembrando promessas não-cumpridas, jogos sexuais mal administrados e excessos e crueldades de todos os tipos cometidos por ambas as partes.
Detalhe: essas lembranças se contrapoem à frustração que Murphy sente em relação à sua vida atual, ao lado de sua mulher atual e de seu filho, e à falta de perspectivas que tomou conta de sua vida.
Ou seja, "LOve" pretende ser uma espécie de pornô existencialista.
Durma-se com um barulho desses...
"Love" não tem qualquer pudor em cena, e, acredite, isso está longe de ser um elogio.
O uso indiscriminado do sexo explícito visa aparentemente dissecar a intimidade do casal, mas perde o impacto rapidamente, pois as cenas de sexo em 3D ficam enfadonhas e redundantes rapidamente, e se revelam meros instrumentos para o diretor testar os limites de seu novo brinquedinho high tech.
Trocando em miúdos: tudo muito cansativo.
Outro problema do filme é seu elenco. Como os personagens precisavam realmente ter relações sexuais diante da câmera, nenhum ator consolidado ou promissor que tenha algum apego pelo futuro de sua carreira se habilitou a participar de uma produção com esse biotipo. Não é à toa que as duas atrizes principais, Aomi Muyock (Electra) e Klara Kristin (Omi), são atrizes estreantes, e o ator principal, Karl Glusman, tenha apenas papéis irrelevantes em seu currículo. Por melhor que cumpram seus papéis nas cenas de sexo, o trio de fornicadores incansáveis deixa bastante a desejar sempre que é exigido deles um mínimo de dramaticidade.
Glusman é o caso mais gritante. Para um protagonista, ele é inexpressivo demais. Não dá para o gasto nem mesmo naquelas produções xxx low-budget rodadas em Amsterdam e distribuídas para o mundo inteiro pela Private Video.
Ou seja: o miscast é total e generalizado.
Para piorar mais ainda, "Love" demonstra uma inconsistência temática que é -- agora sim! -- verdadeiramente escandalosa, na medida em que o filme cai feito um patinho no velho clichê pornô de contar "a tragetória sexual de um casal desde a exploração inicial do prazer, rumo a perversões e violências de todos os tipos".
Se 40 anos atrás, nos tempos áureos da Boca do Lixo Paulistana, dessem câmeras 3D aos diretores Jean Garret ou Alfredo Sternheim, eles teriam realizado filmes igualmente inócuos e ruins.
A diferença é que eles, ao contrário de "Love", jamais teriam chegado ao Festival de Cannes.
Daí, se aceitarem um conselho de amigo, evitem "Love". Não percam tempo e dinheiro com ele. E caso algum de vocês tenha interesse em ver outro filme com uma temática semelhante, só que realizado com gabarito artístico infinitamente superior, recomendo assistir "Nove Canções", trabalho recente de Michael Winterbottom, com Anne Hathaway. É um belo filme, mil vezes mais ousado em termos temáticos, interpretado por atores de gabarito e dirigido por um artista de verdade -- não por um sociopata metido a existencialista como Gaspar Noé.
ALGUNS COMENTÁRIOS DA IMPRENSA INTERNACIONAL SOBRE "LOVE"
"Não é um filme pornô, os diálogos não chegam a este nível" (Jason Solomons, BBC News)
"Um filme de sábado à noite no Canal+, com um argumento amoroso sofrível" (François Aubel, Le Monde)
"Noé quer mostrar bunda, mas não consegue ser excitante. O problema todo é que ele quer pontuar 'Love' com seu narcisismo e seu desejo de perturbar o mundo" (Clement Ghys, Libération)
"Absurdamente mal interpretado" (The Guardian)
"Sexo ruim que você não vê o fim" (El País)
LOVE
(2015, 134 minutos)
Direção e Roteiro
Gaspar Noé
Elenco
Karl Glusman
Klara Kristin
Aomi Muyock
em cartaz no Roxy Iporanga 4
(Shopping Pátio Iporanga)
e no Cinespaço Miramar Shopping
(Shopping Miramar)
para BLACK AND WHITE IN COLOUR
Bons tempos em que as pessoas se escandalizavam com cenas de sexo repletas de densidade existencial em filmes de Louis Malle e Bernardo Bertolucci.
Temas tabú abordados com criatividade e talento eram a especialidade deles dois.
Malle abordou o "incesto materno" com uma delicadeza ímpar em SOPRO NO CORAÇÃO (1972, com Lea Massari), enquanto Bertolucci optou por uma abordagem intensa e operística ao mesmo tema em LA LUNA (1979).
Malle mergulhou fundo no tema "pedofilia" e expôs com uma naturalidade desconcertante o universo de uma menina de 12 anos já bem sexualizada em PRETTY BABY (1978), enquanto Bertolucci nadou de braçada numa abordagem mais filosófica do assunto em BELEZA ROUBADA (1996).
Malle desafiou limites quando criou a contundente cena do estupro de "Lacombe Lucien" (1973), enquanto Bertolucci optou por trabalhar na linha tênue que separa os temas "estupro" e "sexo grupal" na cena de sexo a três não muito consensual que rola entre uma camponesa e a dupla de amigos Robert de Niro e Gerard Dépardieu em "Novecento" (1975).
E olha que nem fizemos menção aqui à cena desesperada de sexo anal entre Marlon Brando e Maria Schneider em "O Último Tango em Paris" (1973), de Bernardo Bertolucci, e às cenas de sexo repletas de tragicidade entre Juliette Binoche e seu sogro Jeremy Irons em "Perdas e Danos" (1992), de Louis Malle.
Por essas e outras, chega a ser patético ver o público do Festival de Cinema de Cannes, outrora tão descolado e cosmopolita, se escandalizando e aplaudindo bobagens como "Azul É A Cor Mais Quente" -- exibido em Cannes dois anos atrás com muito estardalhaço, mas grande apelo de bilheteria -- e agora esse ridículo "Love" (2015), rodado em 3D pelo altamente duvidoso diretor argentino Gaspar Noé -- o mesmo responsável por filmes ultraviolentos como "Irreversível" (2002), "Viagem Alucinante" (2009) e "Sozinho Contra Todos" (1998).
O pinto mole do protagonista alter-ego do diretor, que passeia pela tela em close-ups em 3D boa parte do tempo, já dá o tom do embuste que o espectador vai enfrentar nessa trama cansativa em que um cidadão chamado Murphy recebe o telefonema da mãe de sua ex-namorada, Elektra, que não vê há alguns anos, para informá-lo do desaparecimento dela -- e isso provoca nele um longo flashback com cenas dos quase dois anos em que estiveram juntos, relembrando promessas não-cumpridas, jogos sexuais mal administrados e excessos e crueldades de todos os tipos cometidos por ambas as partes.
Detalhe: essas lembranças se contrapoem à frustração que Murphy sente em relação à sua vida atual, ao lado de sua mulher atual e de seu filho, e à falta de perspectivas que tomou conta de sua vida.
Ou seja, "LOve" pretende ser uma espécie de pornô existencialista.
Durma-se com um barulho desses...
"Love" não tem qualquer pudor em cena, e, acredite, isso está longe de ser um elogio.
O uso indiscriminado do sexo explícito visa aparentemente dissecar a intimidade do casal, mas perde o impacto rapidamente, pois as cenas de sexo em 3D ficam enfadonhas e redundantes rapidamente, e se revelam meros instrumentos para o diretor testar os limites de seu novo brinquedinho high tech.
Trocando em miúdos: tudo muito cansativo.
Outro problema do filme é seu elenco. Como os personagens precisavam realmente ter relações sexuais diante da câmera, nenhum ator consolidado ou promissor que tenha algum apego pelo futuro de sua carreira se habilitou a participar de uma produção com esse biotipo. Não é à toa que as duas atrizes principais, Aomi Muyock (Electra) e Klara Kristin (Omi), são atrizes estreantes, e o ator principal, Karl Glusman, tenha apenas papéis irrelevantes em seu currículo. Por melhor que cumpram seus papéis nas cenas de sexo, o trio de fornicadores incansáveis deixa bastante a desejar sempre que é exigido deles um mínimo de dramaticidade.
Glusman é o caso mais gritante. Para um protagonista, ele é inexpressivo demais. Não dá para o gasto nem mesmo naquelas produções xxx low-budget rodadas em Amsterdam e distribuídas para o mundo inteiro pela Private Video.
Ou seja: o miscast é total e generalizado.
Para piorar mais ainda, "Love" demonstra uma inconsistência temática que é -- agora sim! -- verdadeiramente escandalosa, na medida em que o filme cai feito um patinho no velho clichê pornô de contar "a tragetória sexual de um casal desde a exploração inicial do prazer, rumo a perversões e violências de todos os tipos".
Se 40 anos atrás, nos tempos áureos da Boca do Lixo Paulistana, dessem câmeras 3D aos diretores Jean Garret ou Alfredo Sternheim, eles teriam realizado filmes igualmente inócuos e ruins.
A diferença é que eles, ao contrário de "Love", jamais teriam chegado ao Festival de Cannes.
Daí, se aceitarem um conselho de amigo, evitem "Love". Não percam tempo e dinheiro com ele. E caso algum de vocês tenha interesse em ver outro filme com uma temática semelhante, só que realizado com gabarito artístico infinitamente superior, recomendo assistir "Nove Canções", trabalho recente de Michael Winterbottom, com Anne Hathaway. É um belo filme, mil vezes mais ousado em termos temáticos, interpretado por atores de gabarito e dirigido por um artista de verdade -- não por um sociopata metido a existencialista como Gaspar Noé.
ALGUNS COMENTÁRIOS DA IMPRENSA INTERNACIONAL SOBRE "LOVE"
"Não é um filme pornô, os diálogos não chegam a este nível" (Jason Solomons, BBC News)
"Um filme de sábado à noite no Canal+, com um argumento amoroso sofrível" (François Aubel, Le Monde)
"Noé quer mostrar bunda, mas não consegue ser excitante. O problema todo é que ele quer pontuar 'Love' com seu narcisismo e seu desejo de perturbar o mundo" (Clement Ghys, Libération)
"Absurdamente mal interpretado" (The Guardian)
"Sexo ruim que você não vê o fim" (El País)
LOVE
(2015, 134 minutos)
Direção e Roteiro
Gaspar Noé
Elenco
Karl Glusman
Klara Kristin
Aomi Muyock
em cartaz no Roxy Iporanga 4
(Shopping Pátio Iporanga)
e no Cinespaço Miramar Shopping
(Shopping Miramar)
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