sábado, junho 24, 2006

Mondo Porno - Entre o Erotismo e a Pornografia (por Danilo Corsi para Speculum)


Quando se fala de sexo como conteúdo artístico, a questão entre pornografia e erotismo vem à mente de qualquer pessoa interessada neste tipo de debate. O que seria o erotismo? O que seria a pornografia? Inúmeras respostas sempre surgem, sendo a mais comum de todas a referência direta ao explícito para rotular a pornografia. A etimologia das palavras também ajudam a criar uma pequena diferenciação. Enquanto erotismo vem de Eros e significa literalmente "desejo amoroso", a pornografia vem das prostitutas, já que a grafia portuguesa vem do grego pornographie, que significa "tratado sobre as prostitutas".

Mas esta separação etimológica parece ser mais uma maneira de aceitar a exploração sexual social do que admitir a existência de beleza e arte em algo mais explícito do que só sugerido. O artista plástico Paulo Rafael dá uma definição interessante sobre o tema em texto feito para comentar a obra do também artista plástico Gil Vicente: "O senso comum aponta diferenças entre erotismo e pornografia. Entretanto, quando se procura catalogar tais diferenças, entra-se em um campo subjetivo, pois essas fronteiras dependem do observador ou do contexto cultural e não das características intrínsecas do objeto (erótico ou pornográfico). Afinal, já foi dito que a pornografia é o erotismo dos outros. Erótico e pornográfico não podem ser diferenciados apenas com base em conceitos de explícito e implícito. Assim, em geral procuro evitar o termo erotismo, utilizando apenas o termo pornografia, ampliando seu significado. Pornografia como representação do desejo sexual, uma sexo-grafia ou uma desejo-grafia, na mesma linha de pensamento que conduz a palavras como geografia, litografia e xilografia".

Assim colocado, a pornografia é parte integrante da história da humanidade e da história da arte, onde pintura, escultura e literatura fizeram interessantes tratados artísticos tendo a pornografia como base. Esta história é praticamente impossível de rastrear com precisão. De ruínas em Pompéia às artes do paleolítico, passando pelos textos de Marquês de Sade, existem registros pornográficos em tudo o que for possível imaginar. E no cinema, o que podemos dizer como pornográfico, na acepção de Paulo Rafael, acontece desde sua invenção...

O cineasta Fernando Augusto Tiezzi afirma em um texto sobre História do Cinema: "No final do século XIX, quando surgiu o cinema, nasceu também um novo gênero que ajudaria a tornar o cinema popular: o gênero erótico. Sabe-se que, quando estava se tornando uma diversão de massa nos chamados vaudevilles, muitos filmes já traziam conotação erótica e até mesmo cenas de sexo explícito. A ausência de história, dava margem à cenas rápidas, com atores não creditados e que serviria como uso imediato, para logo depois o filme ser esquecido ou jogado fora. Como os vaudevilles eram de certa forma marginalizados, estes filmes não sofriam censura e eram exibidos normalmente."

Aos poucos, o pornográfico ganhou cada vez mais espaço. Na Europa, os filmes chegaram ao explícito com mais velocidade que os norte-americanos. Há registros de fitas explícitas de 1910. Entretanto, comercialmente, os primeiros filmes explícitos do cinema pornográfico foram produzidos em Buenos Aires, na Argentina, em 1904 e de lá exportados para o mundo todo, inclusive para os EUA. Porém, precisar a data exata do primeiro filme pornograficamente explícito é quase impossível, principalmente porque não havia uma preocupação em registrar este tipo de dado na época "Free Ride" (1915) e "On The Beach” (1916) podem ser tidos como os primeiros filmes oficiais do cinema pornô, ainda que não tenham sido lançados comercialmente nos cinemas. Eram exibidos especialmente em bordéis. Repleto de humor e cenas explícitas, os dois filmes foram produzidos por pessoas do meio cinematográfico, aplicando todas as técnicas de ponta disponíveis na época.


Nas décadas seguintes, o cinema pornográfico vivia na marginalia, sem fazer parte de um circuito comercial grande. Por incrível que pareça, foi também um período de fertilidade criativa de autores, que tinham todo um campo aberto para explorar cenas explícitas com outras suaves para criar trabalhos de forte estética.

Foi no final da década de 1960 que o cinema pornográfico ganhou os cinemas. O senso comum afirma que o primeiro filme lançado foi "Mona, A Ninfa Virgem", de 1970, seguido por "Flesh Gordon". Porém, um pouco antes disto, cineastas europeus, em especial os italianos como Tinto Brass e até mesmo o gênio Pier Paolo Pasolini, já investiam no explícito como parte integrante da narrativa.

A chegada dos filmes pornográficos aos cinemas criou novas ondas na indústria e uma nova maneira de encarar a maneira de produzi-los. Se antes quase não havia preocupação com qualquer tipo de enredo, os novos filmes agora necessitam do absurdo para criar uma linha narrativa. Foi também quando surgiram os famosos "cumshots" (cenas de ejaculação) para finalizar a cena, padrão este que continua como um dos mandamentos do estilo.

Eram os momentos de expansão e definição de dogmas e clichês. Anal, orgias, gang bang, dupla penetração, os chamados faciais, gape e a importação do bukkake (de origem japonesa) dominaram a maneira de narrar a história. Filmes como "Garganta Profunda" e "Emmanuelle" formam a Bíblia do gênero atual. Junto com isto, Europa - com seu "Le Ore", da Itália, e Japão com seu "Joshikosei" (garota de escolha) em cenas que simulavam um snuff movie - também investiram pesado em suas produções, quebrando barreiras e reinventado o jeito de fazer cinema. Não à toa, muito do cinema independente norte-americano da década de 80 incorporou algumas idéias surgidas no cinema pornô.

Com a invasão dos videocassetes na década de 80, os filmes pornôs ganharam os lares de todo mundo e surgiu também a constelação de astros, as atrizes como gancho da película - muito mais importante que diretores e enredo. Isto mudou na década de 90, com as grifes tomando conta do mercado e se tornando referência, como a Buttman. Atualmente, com o mercado forte e rentável, os gêneros se firmaram. Há os filmes de alto orçamento, geralmente com atrizes famosas e com enredo, e os amadores, onde a idéia é justamente não parecer em nada profissional e que fazem sempre relações teoricamente proibidas (médico e enfermeira, pai e babá, etc.). Há também os chamados softcores, que não mostram genitálias e nem cenas explícitas. Outra regra imutável são as inúmeras seqüências de filmes, que chegam até a ter quarenta ou cinqüenta continuações.

Independente de seu status industrial, o cinema pornográfico é capaz de produzir interessantes pérolas cinematográficas, em geral por sua ousadia ou falta de medo em transgredir. Diretores, em incansável busca de diferenciação, são capazes das mais espetaculares mudanças radicais de narrativa ou até mesmo no uso da fotografia, já que o conteúdo, em si, raramente foge de seu objetivo máximo: entreter os espectadores e excitá-los. Neste aspecto, o estilo "baseado no real" surgiu e foi amadurecido em obras pornográficas, assim como também o uso diferenciado de cores para dar contornos narrativos às ações. Como praticamente vale tudo, o cinema pornográfico não hesita em arriscar. E, em arte, o risco quase sempre é um fator crucial.

Este aspecto transgressor nem sempre é encontrado, já que a massiva produção impede a existência de tempo para uma produção um pouco mais detalhada, como era comum na década de 1970. Junta-se a isto o regime exploratório da indústria, que consome suas atrizes e atores ao máximo, em não poucos casos, quase de maneira criminosa. Mesmo assim, o cinema pornográfico permite, ao brincar com a libido, momentos de sublimação artística na formação da arte seqüencial em movimento. É a maneira de fazer cinema que não aceita covardias. Algo que, atualmente, parece ser a regra de muitos gêneros do cinema.

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