sexta-feira, junho 16, 2006

Pollack vai à alma de Frank Gehry (por Amir Labaki para o Valor)


"Começar é difícil. Você sabe que é." Sob um fundo negro, são essas as primeiras frases do arquiteto Frank Gehry para o cineasta Sydney Pollack na estréia do diretor de "Tootsie" (1982) em documentários com "Sketches of Frank Gehry", exibido fora de concurso em Cannes 2006.


O filme registra um encontro de gigantes da arte americana do pós-guerra. Gehry se tornou quase sinônimo de arquiteto a partir do revolucionário projeto para o Museu Guggenheim de Bilbao, Espanha, inaugurado em 1997. Pollack dirige grandes sucessos em Hollywood há mais de quatro décadas ("A Noite dos Desesperados", "Nosso Amor de Ontem", " Entre Dois Amores"), sempre respeitando a inteligência do público.

Gehry e Pollack eram amigos muito antes do projeto de filme. A informalidade da relação e a confiança mútua pulsam na tela. Gehry foi convidado para protagonizar um documentário por duas redes de televisão. Descartou-as, mas gostou da idéia. Convidou Pollack a assumir o projeto. O cineasta argumentou que nada entendia de arquitetura e de documentários. Decidiram filmar algumas conversas. Cinco anos depois, o resultado chega agora aos cinemas, sem data ainda para lançamento no Brasil.

Nascido Ephraim Goldberg em 1929, em Toronto, Gehry mudou-se aos 17 anos para os EUA, onde estudou em Los Angeles. Conta que mudou o nome pela experiência com certo anti-semitismo difuso. Viveu de bicos, como dirigir caminhões, até que decidiu seguir o impulso para a arquitetura gerado por uma palestra do mestre modernista finlandês Alvar Aalto (1898-1976), a que assistiu em 1946. "Meu trabalho é mais próximo do dele", reconhece para Pollack.

Inúmeros artistas, como Ed Ruscha e Dennis Hopper, e críticos, como Charles Jencks e Herbert Muschamp, depõem sobre o impacto da arquitetura de Gehry. Sua mais veemente defesa vem de um dos maiores artistas da arquitetura americana do século XX, Philip Johnson (1906-2005), falecido antes da edição do filme. Gehry, sustenta Johnson de saída, "é o mais importante arquiteto hoje".

O principal contraponto critico vem do ensaísta Hal Foster, professor em Princeton. A partir da "espetacularidade" de construções como o museu de Bilbao, que disputaria a atenção com as exposições, Foster metralha: "Não tenho certeza de que aquilo sirva à arte".

"Eu estava buscando uma forma de expressar sentimentos por meio de edificações em três dimensões", comenta Gehry sobre os desafios de sua obra mais impactante. Apenas no primeiro ano de visitação, Bilbao recebeu o dobro de seus 350 mil habitantes em turistas.

"Nunca pensei que Bilbao fosse virar o que virou", testemunha o arquiteto. Quando viu a obra pronta, lembra ter pensado: "Meu Deus, o que foi que eu fiz?"

Gehry se define como " um modernista". E assume uma frustração. "Se tenho uma grande inveja é dos pintores. Gostaria de ter sido um deles. Nunca tentei, não saberia o que fazer. Sei fazer prédios."

Numa das mais reveladoras seqüências do filme, Gehry mostra para Pollack um quadro clássico de Hieronymus Bosch (c.1450-1516), "A Coroação de Espinhos", que visitou inúmeras vezes na National Gallery de Londres. Mostra então como a composição das figuras inspirou, muitos anos depois de conhecê-la, o esquete de um de seus projetos. A mera justaposição das imagens fala por enciclopédias sobre o funcionamento da cabeça de Gehry.

Pollack foi certeiro na seleção da visita de encerramento do documentário. Acompanhamos a primeira ida de Gehry para conhecer a sede do DG Bank, em Berlim, inaugurada em 2001. Entre explicações funcionais sobre a necessidade de um grande piso de vidro, Gehry afirma: "Quando a luz bate num edifício é que ele vive".

A câmera de Pollack flagra, então, um momento de rara beleza. Num gesto sutil, a mão de Gehry acaricia a parede do banco alemão. É como o afago de um pai ao filho recém-nascido. É um momento de imenso cinema, ficção ou documentário, apenas mais um na bela carreira de Sydney Pollack.

Nenhum comentário: