sexta-feira, junho 16, 2006

Pergunte ao Produtor (por Ricardo Calil para NoMínimo)


John Fante lançou em 1939 o livro “Pergunte ao pó”, clássico da literatura norte-americana. Robert Towne escreveu em 1974 o roteiro de “Chinatown”, obra-prima do cinema. Por 30 anos, Towne nutriu o desejo levar às telas a obra de Fante. No ano passado, ele finalmente conseguiu. A partir desta sexta-feira, o resultado poderá ser visto no Brasil. Mas o que prometia ser um casamento perfeito entre literatura e cinema revela-se uma verdadeira lição sobre como não fazer uma adaptação.

“Pergunte ao pó”, o livro, narra as desventuras de Arturo Bandini, jovem ítalo-americano que se muda para Los Angeles na década de 30 com o sonho de se tornar um escritor. Ele luta contra a fome, o preconceito e a falta de inspiração. Nesse meio tempo, apaixona-se pela garçonete mexicana Camila Lopez.Na sua primeira metade, “Pergunte ao pó”, o filme, reproduz todos esses elementos com fidelidade, mas sem inspiração. A escalação de Colin Farrell como Bandini e de Salma Hayek no papel de Camila – dois intérpretes com muito mais beleza do que talento – não melhora o panorama. Mas é na segunda metade do filme que Towne erra a mão feio. Ele reduz a história de Fante a um romance inter-racial entre um italiano e uma mexicana - algo que só pode ser visto como uma convenção hollywoodiana para agradar o grande público.

No livro de Fante, o amor de Bandini e Camila tem duas funções primordiais: destacar a necessidade da vivência pessoal para a criação literária (Bandini achava que não podia escrever sobre paixão se não vivesse uma) e sublinhar o sentimento de exclusão do personagem (que só aumenta quando ele se associa a outro ainda mais marginalizado). No filme de Towne, o caso dos dois serve apenas para derramar sobre o espectador os clichês mais baratos do melodrama.

Por meio de Bandini, seu alter ego, Fante defende a idéia romântica de que o escritor deve às vezes fazer sacrifícios para encontrar uma voz própria. Com sua adaptação, Towne propõe uma revisão cínica desse conceito, em que o artista admite fazer concessões para alcançar seus objetivos. O livro é uma elegia à independência. O filme, uma prestação de contas ao produtor.