sábado, abril 22, 2006

Notas rápidas sobre um filme que não merece sequer uma crítica bem redigida (por Chico Marques para o Trupe da Terra)


As notas a seguir foram redigidas logo depois de assistir a "Instinto Selvagem 2", assim que cheguei em casa. Ou seja, ainda sob o impacto deste que é, desde já, um dos maiores abacaxis, e também uma das sequências mais decepcionantes produzidas rm Hollywood nos últimos anos. Achei que se me desse ao trabalho de estruturar o texto dentro dos padrões habituais, acabaria permitindo que o meu desgosto e a minha indigação pelo que vi na tela do cinema se dissipassem. Sendo assim, optei por trazer a vocês, em vez de um texto corrido, um breve rascunho enraivecido -- ou, para usar um termo do grande poeta Mário Faustino, o "cosmo sangrento":

- Em "Instinto Selvagem 2", Sharon Stone conseguiu reduzir Catherine Tremell, uma das mulheres mais fascinantes da história do cinema, a uma viúva negra qualquer, uma serial killer patética, que fica se justificando o tempo todo porquê mata para elaborar esboços de tramas para seus romances. A coisa toda beira o ridículo. Onde já se viu um romancista que precisa viver suas próprias tramas às últimas inconsequências, para conseguir desenvolvê-las, e então finalmente escrever sobre elas? Que diabo de psicopatia seria essa? Alguém conhece? Uma coisa é certa: um workshop litarário comandado por ela deve terminar sem sobreviventes...

- Por conta dessa e de outras coisas, Catherine acaba caindo vítima de uma infinidade de psicologices que só fariam sentido em termos dramáticos se o filme seguisse o tempo todo no ritmo frenético de "graphic-novel" da sequência inicial (do babado forte no carro em alta velocidade). Mas para isso a personagem principal não poderia ser em hipótese alguma a (outrora) enigmática Catherine Tremell. Enquadrá-la numa camisa de força como essa equivaleria a desqualificar o personagem. E não é que foi exatamente isso que Sharon fez com ela?.

- A propósito, onde já se viu uma escritora de "pulp-fiction chic" como Catherine Tremell conseguir entrar tão facilmente no fechadíssimo círculo psiquiátrico londrino, e de quebra conseguir iludir toda uma junta de psiquiatras de primeiro time, como a que circula pelo filme, e também pela "vagina dentatta" da protagonista...

- O plot de "Instinto Selvagem 2" segue o mesmo padrão de ruindade da maior parte dos filmes de suspense da última safra de Hollywood, como "Derailed" e outros. O roteiro é insípido e esquálido, o que é inaceitável para a sequência de um filme já clássico, que demorou 15 anos para ser finalmente realizada.

- O desperdício de recursos em "Instinto Selvagem 2" chega a ser vergonhoso. Por mais que Sharon Stone esteja linda aos 48, e com tudo em cima, é inegável que ela se atrapalhou bastante como produtora nessa empreitada. Cometeu o erro terrível de demitir David Cronenberg da direção de "Instinto Selvagem 2" por não concordar com suas idéias sobre o projeto. Com isso perdeu a chance de ter no comando do filme um dos dois únicos diretores americanos -- o outro é Sam Raimi -- capazes de correr atrás do vigor do original de Paul Verhoeven e da complexidade existencial de Catherine Tremell, podendo até -- quem sabe -- elaborar uma sequência superior ao filme original, porquê não?. Mas, em vez disso, Sharon preferiu contratar um diretor inexpressivo, que fez tudo o que ela mandou fazer, inclusive não se atrever a dirigí-la. E, graças a isso, Sharon acabou nos brindando com um show insuperável de canastrice aguda -- algo contrangedor para uma atriz que já deu diversas demonstrações de talento indiscutíveis, em filmes como "Casino" de Martin Scorsese, "A Musa" de Albert Brooks e "Flores Partidas" de Jim Jarmush. E isso, infelizmente, não tem desculpa. Nem conserto.

- Como se tudo isso não bastasse, nem as cenas de sexo do filme conseguem lembrar o "punch" das do filme original, de Paul Verhoeven. Que pode ter mil defeitos como diretor de cinema, mas sabe filmar trepadas selvagens como poucos. Arnaldo Jabor -- outro que adora(va) filmar gente trepando -- é grande admirador dele. Tanto um quanto o outro concordam que tanto o cinema quanto a fotografia foram inventados sob a motivação de conseguir registrar em imagens o ato sexual.

- Para não dizer que não tem nada que preste no filme, são lindas as imagens de Londres, até mesmo aquelas em que aparece aquele prédio fálico em destaque, onde o psiquiatra tem consultório. Cá entre nós, qualquer psiquiatra que ousasse montar consultório num prédio daqueles deveria ser expulso da Comunidade Psiquiátrica Britânica. Por desacato aos princípíos da psiquiatria.

- Parece que ao longo desses 15 anos, Catherine conseguiu contornar as atitudes bipolares que faziam dela uma personagem enigmática, aparentemente descontrolada e fascinante no filme anterior. Agora ela parece estar bem mais centrada, e muitíssimo mais letal. O que resulta num verdadeiro desastre, na medida em que reduz a personagem a um mínimo denominador comum inaceitável. Todo o mistério e a sexualidade ostensiva -- e, ao mesmo tempo, graciosa, de Catherine Tremell, o arquétipo da "California Girl Gone Bad", que permearam o "Instinto Selvagem" original do início ao fim -- se perderam por completo nesse segundo filme, restando apenas um travesti lamentável do que ela foi 15 anos atrás. Convenhamos: um personagem como este não merecia uma nota fúnebre como esta.

- Para finalizar, o termo que melhor define esse "Atração Fatal 2": "fatalmente frouxo".

Nenhum comentário: