sábado, abril 22, 2006
O cinema sensorial de Terence Malick (por Ricardo Calil para No Minimo)
Terrence Malick é das personalidades mais fascinantes da história do cinema. Em 32 anos, o cineasta norte-americano dirigiu apenas quatro filmes. Mas não foi por falta de reconhecimento que ele teve uma carreira tão bissexta. “Terra de Ninguém” (1973), seu primeiro filme, foi saudado como uma das melhores estréias do cinema americano. “Dias de Paraíso” (1978), o segundo, deu-lhe o prêmio de melhor diretor no Festival de Cannes. Passaram-se duas décadas até que ele lançasse “Além da Linha Vermelha” (1998), que não foi um sucesso de público, mas encantou a crítica mais uma vez. E aí chegamos a “O Novo Mundo” (2005), que entra em cartaz hoje no Brasil.
A razão dessa produção tão escassa está no comportamento arredio e no gosto pela reclusão de Malick, uma espécie de versão cinematográfica de J.D. Salinger (o excêntrico e recolhido autor de “O Apanhador no Campo de Centeio”). Malick foi assim definido pelo crítico americano Leonard Matlin: “Como Greta Garbo ensinou, a evasão e a inatividade podem alimentar uma lenda; assim Malick tornou-se uma das figuras mais intrigantes do cinema recente, tanto por seus longos períodos sabáticos quanto por seus impressionantes filmes”.
Se estilo é tudo, como pregam alguns, Malick é um dos maiores estetas do cinema. No caso hipotético de um cinéfilo entrar desavisadamente em um filme do diretor, saberá de quem se trata com menos de um minuto de projeção. Os filmes de Malick não se parecem com os de nenhum outro cineasta. Em um primeiro momento, eles impressionam pela beleza atordoante de seus planos longos, rarefeitos e contemplativos. Em seguida, por uma certa qualidade onírica, como se a câmera captasse não a reconstrução da realidade, mas a de um sonho do cineasta sobre a realidade.
Alguns críticos acusam Malick de maneirismo. Mas o termo me parece pouco apropriado. O cineasta não recheia suas narrativas com artifícios de estilo para vendê-los como arte. No seu caso, o artifício é o filme – e vice-versa. Seus filmes não são “sobre” o amor ou “sobre” a guerra. Mas sobre como seus personagens captam subjetivamente esses acontecimentos, como eles tentam dar conta de seus sentimentos e encontram reflexos dessas sensações na natureza.
Todos esses elementos estão presentes em “O Novo Mundo”. A princípio, poderia-se dizer essa é a versão de Malick para a história de Pocahontas. Afinal, o filme mostra a relação afetiva entre a indiazinha americana (a estreante Q’Orianka Kilcher, filha de suíça com peruano) e o capitão inglês John Smith (Colin Farrell), no início da colonização da América, no século 17. Mas não espere nada parecido com a versão do desenho da Disney. A melhor definição para o filme veio de um crítico americano: “Pocahontas sob o efeito de ácido”.
“O Novo Mundo” é uma história de amor e de encontro entre dois mundos distintos. Mas é muito mais do que isso. Malick não se apóia em oposições fáceis como a do bom selvagem versus o predador civilizado. Ele mostra diferenças entre Pocahontas e Smith por meio de suas relações com o ambiente – de naturalidade e comunhão, no caso da índia; de encantamento e desconcerto, no do capitão.
Em uma obra tão idiossincrática quanto a de Malick, fica difícil explicar as razões pelas quais “O Novo Mundo” é um filme menos satisfatório do que seus três anteriores, apesar de se basear nos mesmos princípios. Não é possível usar argumentos como “a fragilidade da história” ou “personagens mal construídos”, porque eles não fazem sentido para a obra do diretor.
O cinema, para Malick, é antes de tudo uma experiência sensorial. Portanto, é preciso tentar entender certas sensações que o filme desperta para melhor criticá-lo. Em primeiro lugar, vem o deslumbramento. Em seguida, porém, surge um certo incômodo. Certas imagens e palavras de “O Novo Mundo” são de uma beleza tão evidente (ou óbvia, se preferir) que se aproximam perigosamente da cafonice.
Claro, o filme de Malick ainda é bastante superior à média da produção atual, pelo simples fato de que tem personalidade, assume riscos e não teme o ridículo. Ao assistir a “O Novo Mundo”, não há dúvidas de que estamos diante do trabalho de um artista. Mas eu não saberia dizer se esse quadro em movimento deveria ser exposto no Museu de Arte Moderna ou na feira hippie de Copacabana.
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Um comentário:
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