sexta-feira, abril 28, 2006

O homem que me envelheceu (por Tom Hanks para The New York Times)


Em outubro, depois de minha última cena como Robert Langdon em "Código Da Vinci" -depois dos abraços, presentes e piadas sobre desemprego- trouxeram um bolo grande o suficiente para alimentar toda nossa unidade, velas acesas.

O bolo não era para mim; eu já tinha celebrado em julho, quando as equipes francesa e inglesa cantaram "Parabéns para Você" para mim na Grande Galeria do Louvre. Em vez disso, no que deve ter sido uma coincidência divina, eu terminei o "Código Da Vinci" no mesmo dia em que Dan Striepeke, meu maquiador há 19 anos, fez 75 anos.

O showbiz sempre foi cheio de coincidências inspiradas desse tipo, fornecidas por uma deusa que eu chamo de Película, que tece sua magia para todos -desde aspirantes a atores e agentes até treinadores de animais e guardas. Ela transforma momentos ordinários em mágicos, freqüentemente impulsionando carreiras ao mesmo tempo.

Em 1986, quando eu estava pulando de um filme para outro sem o benefício de uma equipe -um Garoto Prodígio sem Batman- Película devia estar observando as ondas em seu lago celestial. Pois, veja! Eu fui escalado em "Dragnet - Desafiando o Perigo" como detetive Pep Streebeck e sentei na cadeira de Danny Stripeke pela primeira vez. Nossos nomes parecidos sugeriam como nosso encontro era certo.

Danny tinha um belo Mustang conversível antigo na época. Ele morava em Marina del Rey com sua mulher, Carol, e passava os finais de semana em seu veleiro. Então, freqüentemente usava sapatos de deck, algum tipo de cinto de corda e capa de vinil de todas as cores da natureza.

Como tinha tido um susto com a saúde de seu coração, mantinha-se magro com exercícios e uma dieta de muitas maçãs -"ótimas para o coração", dizia.

Eu tinha apanhado suficiente na indústria -e tinha aprendido o suficiente- para escolher como peça chave do meu esquadrão este veterano de 40 anos no cinema, que tinha dado a Elvis Presley seu bronzeado em "Viva Las Vegas" e a Lawrence Olivier seu nariz romano em "Spartacus".

A maior parte dos civis -pessoas que não trabalham no cinema- acha que os maquiadores são duendes que passam pó-de-arroz no nariz dos atores.
Entretanto, são verdadeiros artistas, freqüentemente pouco celebrados, que dão aos filmes o toque suave de seus pincéis e o duro trabalho de sua arte. Sua criação, que será examinada na telona por tantos anos quanto o filme tiver público, é a maior manifestação física da interpretação de um ator de seu papel.

É preciso confiança das duas partes -no instinto do ator e na habilidade do maquiador. Em uma parceria que qualquer ator invejaria, Danny protegia o acabamento externo de meus personagens para que eu pudesse ponderar meus papéis sem ter que explicar as coisas que não podem ser explicadas de qualquer forma.

Danny fez de nosso trailer de maquiagem um oásis, no meio do caos -muitas vezes, pânico- do set de filmagem. Muito antes de eu subir atrasado no trailer, ele arrumava sua estação de trabalho, fazia café, ligava a Rádio Pública Nacional e algumas vezes servia delícias do café da manhã.

Meus instrumentos para barbear estavam prontos -um barbeador Norelco, talco em bastão, uma lâmina descartável para os pelos mais resistentes. E depois, com um tapa ritualístico de Sea Breeze em meu rosto, partíamos para o trabalho.

Tanto em filmes divertidos ("Pegue-me se Puder") quanto enredos difíceis ("Uma Dupla Quase Perfeita" -ridiculamente difícil), Danny cuidou de minhas atitudes mercurianas e da minha pele, oferecendo seu ouvido para minhas reclamações e alterando a química do meu corpo quando necessário com um novo sabão facial, um bolo feito em casa ou um copo de cabernet.

Meu maquiador e eu trabalhamos em todo o mundo e em todos os estúdios de Hollywood. Meu rosto é sua tela. Ele fez de mim um policial, um astronauta, um agente do FBI, um Mestre do Universo, um turista eslavo e até Papai Noel.

Em um inverno gelado em Chicago, em "Estrada para Perdição", ele mostrou a violência do meu personagem com um nariz ligeiramente quebrado e olhos marcados pelas linhas duras do meu chapéu e bigode. O "Naufrago" era todo Danny e a cabeleireira Kathy Blondell. Quando emagreci para demonstrar quatro anos perdido no Pacífico Sul, Danny criou cicatrizes, marcas de sol, assaduras, dentes podres e feridas. Horas antes do nascer do sol no paraíso de Fiji, eu dormia enquanto Danny e sua equipe combatiam o cansaço e as horas, destruindo-me em um frenesi igual a uma equipe de Fórmula 1 preparando o carro para voltar às pistas.

Em "Forrest Gump", trabalhamos 27 dias sem folga, fazendo cenas em New Hampshire, Vermont e Maine antes de voltar para a Carolina do Sul, tudo em um final de semana. Quatro Estados e três barbas em dois dias! Danny me transformou de adolescente em soldado do Vietnã e pai enquanto Sally Field morria de câncer. Ele e sua equipe conquistaram uma das nomeações ao Oscar de Forrest Gump. Talvez porque poucos conseguiram ver a maquiagem, foi para casa sem nada.

Começamos nossas carreiras em escolas da Califórnia -eu em Oakland, ele em Santa Rosa- separados por uma geração, mas gêmeos em nosso amor pelas artes cênicas. Fui para o Leste tornar-me ator. Danny encheu caixas de maquiagem e foi para Hollywood. Película devia estar acompanhando sua peregrinação pois, em uma manhã de outono no final dos anos 40, ela o direcionou para La Cienega Boulevard, onde encontrou seu destino.

Os Century Players estavam ensaiando "The Fabulous Invalid", de Moss Hart e George S. Kaufman, que Danny tinha feito na escola. Ele se sentou em uma poltrona no fundo do teatro e durante o intervalo procurou o diretor, John Claar.

"Você precisa de um maquiador. Sou eu."

"Ah sim?" Disse Claar bebendo café, e apontou para um ator. "Então o transforme em Louis Wolheim de 'Sem Novidade no Front'".

Danny tirou seus instrumentos da mala de seu Plymouth 41 e foi trabalhar; terminou o serviço em 20 minutos.

Coincidentemente, Claar era fundador da KTTV, um dos canais de televisão que estavam começando em LA. Eles precisavam de maquiadores não sindicalizados. Danny logo estava passando batom marrom em Adele Jurgens e pó-de-arroz no nariz em Freddy Martin e seu vocalista Merv Griffin.

Danny me contou sobre esse momento e outros de sua carreira, impressionando-me com os títulos: "Os Dez andamentos", "Kismet", "Assim Caminha a Humanidade", "Volta ao Mundo em 80 dias", "A Noviça Rebelde".

Ele falava de tirar o brilho de Pinky Lee e Tennessee Ernie Ford na televisão ao vivo e ter apenas um intervalo comercial de 90 segundos para tornar um jovem e lindo Paul Newman em um boxeador velho e quebrado. Ele disse como conseguiu seu primeiro crédito em tela: "Sete Homens e um Destino". Perguntei: "Quantos você fez?" "Quatro! McQueen, Vaughn, Coburn, Brad Dexter e seus substitutos também."

Eu pedia uma história sobre Elvis, de um dos três épicos que fez com o Rei, e Danny contava como Elvis era cavalheiro e como era brincalhão. Eu ouvia ele contar da Máfia de Memphis, Ann-Marret e sobre como "Harum Scarum" era uma porcaria.

Depois da primeira temporada de "Missão Impossível", Danny foi tocado por Película novamente. O lendário maquiador Ben Nye estava se aposentando como chefe do departamento de maquiagem da 20th Century Fox. Ele vinha observando o trabalho de Danny há anos e escolheu-o como sucessor.

O menino de Santa Rosa tornou-se colega de George Cukor, Gene Kelly e George C. Scott em "Patton", em um trabalho de desafios constantes. Sua primeira tarefa nesse novo papel no estúdio foi "Planeta dos Macacos". Danny manteve o filme na hora e ajudou o responsável pela maquiagem, John Chambers, vencer o Oscar, o segundo dado para maquiagem.

Em 1994, fui tolo o suficiente para escrever, dirigir e atuar em "O Sonho Não Acabou". Pelo menos fui inteligente o suficiente para contratar Danny como chefe de maquiagem. Mas, no meio da produção, ele recebeu um telefonema e repentinamente deixou o set. Carol estava com um tumor no cérebro e não ia viver até o final do ano.

Quando o vi nos escritórios de pós-produção, oito meses depois, era viúvo. Abraçamo-nos e choramos. Depois de secar as lágrimas, ele perguntou: "Como está o filme?" Choramos de novo.

Desde nosso encontro em "Dragnet", nos anos 80, Danny passou milhares de dias de 15 horas como meu assessor cosmético. Ele viu meus filhos crescerem e meu casamento se alongar. Fizemos viagens emocionais profundas em "O Resgate do Soldado Ryan" e tivemos hilariantes ataques de riso com os guardas e condenados falsos de "À Espera de Um Milagre".

Ele compartilhou o peixe que pegou na Ilha Catalina e eu servi meus sanduíches de churrasco nas gravações noturnas. Ele encontrava grandes restaurantes para jantar em Moscou e Paris e não me deixava pagar a conta.

Em janeiro, Danny ligou para meu escritório com a notícia: tinha terminado.Acabado. Não haveria mais telefonemas às 5h da manhã; nenhuma gravação em locais exóticos como Moscou, Vale Monument ou Estúdio Culver. Tinha outras coisas que gostaria de fazer, além de colocar cremes no meu rosto em um esforço cada vez mais difícil de me dar uma boa aparência.

Por quase metade da minha vida, quase um quarto da dele fizemos 17 filmes, terminando em uma nota alta com "O Código Da Vinci". Dissemos um ao outro que incríveis aventuras esses anos nos deram e como nos amamos.

Então, aqui estou, com um vazio em minha equipe antes ocupado por um dos maiores maquiadores de todos os tempos.

O que fazer sem Danny Striepeke?

Ajude-me Película! Eu lhe suplic

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