domingo, janeiro 22, 2006
“Em Seu Lugar”: Um Magnífico Show De Atrizes (por Luiz Carlos Merten para o Estadao)
Está sendo um ano de grandes interpretações masculinas no cinema americano. Sem esforço, você pode apontar quatro ou cinco candidatos à indicação para o Oscar e depois conferir quantos vão concorrer ao prêmio da Academia de Hollywood - Philip Seymour Hoffman, por Capote; David Strathairn, por Good Night, and Good Luck; Joaquim Phoenix, por I Walk the Line; Ralph Fiennes, por O Jardineiro Fiel; Bill Murray, por Flores Partidas. As grandes interpretações femininas são mais reduzidas, mas você pode apontar agora, de uma tacada, duas possíveis candidatas a melhor atriz e uma coadjuvante - Cameron Diaz está ótima em Em Seu Lugar, o novo filme de Curtis Hanson, que estréia hoje, mas melhores, ainda, são Toni Collette, como sua irmã, e Shirley MacLaine, como a avó.
Curtis Hanson é um dos mais talentosos diretores americanos de sua geração. Começou como um aplicado profissional do cinemão, mas depois que redimensionou seu projeto de cinema com o poderoso Los Angeles - Cidade Proibida, não errou uma. Vieram, na seqüência, Garotos Incríveis, 8 Mile - Rua das Ilusões e agora esse magnífico Em Seu Lugar. No original, é In Her Shoes. A metáfora dos sapatos é muito forte no filme.
Toni é uma advogada totalmente dedicada ao trabalho, que se compensa de suas carências comprando sapatos. Cameron é a irmã estabanada que vive usando os sapatos da irmã - e, numa cena, vai para a cama com o único namorado que Toni conseguiu arranjar. Toni surta e a expulsa de casa. Sem rumo, Cameron descobre a existência de uma avó que nem sabia possuir. Instala-se na casa dela, a princípio para roubar. Ao longo de um processo que corria o risco de ser banal, mas é rico, a doidivanas assume a sua segunda chance e evolui como pessoa.
Toni e Cameron vivem essa ligação de amor e ódio, que tem origem na família disfuncional. A mãe sofria de perturbações mentais. Suicidou-se, mas, para todos os efeitos, a versão oficial é a de que morreu num acidente. O pai, traumatizado, afastou-se da sogra. Ambos se acusavam mutuamente, tentando responsabilizar o outro pela desestruturação mental que levou a mãe de Toni e Cameron à destruição.
É um dos temas mais velhos da ficção - a família. Douglas Sirk, homem de cultura refinada, grande diretor de melodramas, dizia que seu ideal era a tragédia grega, em que tudo se passa em família, num mesmo lugar. E essa família é idêntica ao mundo, vira o símbolo do mundo. Curtis Hanson, que se baseou num livro de Jenifer Weiner, também acredita na família como base de toda tragédia humana, mas trata de temperá-la com humor. E não fica preso a um só lugar. Segue uma irmã em Filadélfia, onde a trama é deflagrada, e a outra na Flórida, terminando por transformar os dois espaços num só.
Desde que ganhou o Oscar de roteiro (dividido com Brian Helgeland) por Los Angeles - Cidade Proibida, Curtis Hanson virou consultor no Sundance, tendo dado importantes sugestões a diretores de várias latitudes, incluindo o Brasil. Seu modelo de roteiro não é o de Syd Field, baseado em relações de causa e efeito, no qual o drama (ou a comédia) tem que obedecer a um esquema no fundo muito rígido. Uma virada na página tal, outra 20 ou 30 páginas depois, para manter o público interessado. Isso já virou motivo de piada, um verdadeiro bê-á-bá da técnica (não da arte) de contar histórias, segundo Hollywood. Hanson subverte esses esquemas. Estrutura suas histórias baseado na observação - de personagens e ambientes, da ligação entre ambos.
A família fornece o eixo de Em Seu Lugar, mas os verdadeiros temas do filme são outros. Cameron é disléxica, não consegue nem ler. Ela não aprende só o valor, mas o significado da leitura, por meio da poesia. Toni descobre que a verdadeira compensação não está no consumismo, mas no desprendimento. Larga da firma para ganhar dinheiro passeando com cachorros. Poderia ser uma fantasia boba, mais uma, de Hollywood.
É um belo filme sobre o mal que as pessoas fazem aos outros e a si mesmas, e sobre a necessidade de compaixão e perdão. Existem diretores que vivem querendo mudar o mundo a partir de pequenas coisas, reconhecendo que a ação política nasce no indivíduo. É aquela história da grande caminhada que começa com um pequeno passo. Poucos chegam lá. Curtis Hanson chegou. Não seria nada mau se o seu entendimento passasse pelo Oscar.
Em Seu Lugar (In Her Shoes, EUA/2005, 130 min.). Drama. Direção de Curtis Hanson. Cotação: Ótimo
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