sábado, janeiro 21, 2006

Mel Brooks, O Mestre Absoluto Da Incorreção Política, Está de Volta Com "Os Produtores" (por Ricardo Calil para NoMínimo.com)

“Os Produtores” teve uma trajetória incomum até chegar à versão cinematográfica que estréia hoje no Brasil. Nasceu em 1968 como um filme de Mel Brooks (chamado por aqui de “Primavera para Hitler”). Em 2001, foi transformado pelo cineasta em musical da Broadway. Agora, o musical foi adaptado de volta para o cinema.

Fato mais raro ainda, as três encarnações de “Os Produtores” se tornaram produtos bem-sucedidos. O filme original custou uma ninharia e fez uma fortuna. O musical virou um dos maiores sucessos da Broadway em muitos anos e um recordista de prêmios Tony. Ainda não se sabe se o novo filme repetirá o êxito comercial das versões anteriores, mas já se pode dizer que ele se saiu bem no plano “artístico” (para um clássico politicamente incorreto, essa palavra só pode vir entre aspas).

A maior dúvida em relação à nova versão de “Os Produtores” era saber se o peso da grande produção musical iria esmagar a leviandade do material original de Brooks. Mesmo que em alguns momentos o resultado fique muito próximo do musical mal filmado, não deixa de ser um alívio perceber que a vulgaridade e a gratuidade do humor do cineasta permaneceram intactas. Mudou o entorno, mas não o espírito da obra. É como se, dessa vez, Brooks contasse suas piadas sujas em um nobre salão literário.
Diretor de “A História do Mundo” e “O Jovem Frankenstein”, Brooks é um virtuose da falta de sutileza, o pai espiritual dos bons irmãos Farrely (de “Quem Vai Ficar com Mary?”) e de outros cineastas menos talentosos. Ele cria seu humor a partir dos preconceitos mais baixos, dos estereótipos mais reles, nunca com a intenção de reproduzi-los ou denunciá-los. Quer apenas fazer rir, a todo custo. De tão agressivas, suas piadas não agridem, elas são quase conciliatórias em seu absurdo.
“Os Produtores” é o tour de force de Brooks. Em uma única obra, ele ridiculariza gays, judeus, nazistas, feministas e todo o show business americano. Nas três versões, o enredo é o mesmo: Max Byalystock (Nathan Lane), um produtor teatral picareta, se une a Leopold Bloom (Matthew Broderick), um contador neurótico, para produzir o pior espetáculo teatral da história, depois que os dois descobrem que um grande fracasso poderá deixá-los ricos graças a uma manobra contábil.
A dupla faz tudo para que o show dê errado. Eles decidem produzir “Primavera para Hitler”, uma ode musical ao Führer escrita pelo neonazista Franz Liebkind (Will Ferrell), que acaba assumindo o papel do protagonista nos ensaios. Para arrecadar dinheiro no varejo, Max transa com todas as velhinhas judias de Nova York. Enquanto isso, Leo envolve-se com a beldade sueca Ulla (Uma Thurman), que se reveza entre os papéis de secretária da dupla e de Eva Braun na peça. Para dirigir o show, eles convocam a rainha do kitsch Roger De Bris (Gary Beach).
O filme manteve a dupla central do show da Broadway, Nathan Lane e Matthew Broderick – inferiores aos do filme original, o grande Zero Mostel e Gene Wilder, mas ainda assim versáteis tanto nas cenas cômicas quanto nas musicais. E acrescentou dois coadjuvantes de peso: Thurman, que está deliciosa no papel de loira burra (ela não sabe dançar, mas quem se importa?), e Ferrell, um dos comediantes mais talentosos da nova geração, que se esbalda no papel de neonazista. A direção também ficou por conta de Susan Stroman, a mesma da montagem na Broadway – o que foi provavelmente o grande erro da produção. Em seu primeiro filme, ela se mostra incapaz de superar a origem teatral da obra e de encontrar tom, ritmo e mise en scène cinematográficos para o material. Se não fosse pela direção desastrada, “Os Produtores” seria um daqueles velhos exemplares da grande carpintaria hollywoodiana, em que as muitas partes da produção se encaixam para formar um conjunto perfeito.
Ainda assim, o trabalho de Mel Brooks sustenta o filme e garante uma diversão acima da média. Além do grande dialoguista de sempre, ele se revela um bom compositor, criando um musical que ironiza a extravagância do gênero, que escancara seu ridículo. O cinema andava precisando de um pouco de incorreção política. E, nesse campo, Brooks ainda é um mestre.

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