sexta-feira, março 03, 2006

Muito Cuidado, Vem Ai A Síndrome Brokeback (por Chico Marques para Trupe da Terra)


Há muitos anos uma cerimônia de entrega dos Oscars não despertava tamanho assanhamento da parte da Imprensa especializada e não-especializada em cinema do mundo inteiro.

O motivo, óbvio, é "Brokeback Mountain", de Ang Lee, o primeiro filme "mainstream" da história de Hollywood a mostrar abertamente uma relação amorosa entre dois cowboys.

Eu disse filme "mainstream". Nada a ver com "Lonesome Cowboys", a produção underground sobre cowboys viadinhos que Andy Warhol rodou no final dos anos 60. Nada a ver também com o festival de insinuações sobre viadagem que existem nos roteiros dos melhores westerns de Howard Hawks e Nicholas Ray.

Não, em "Brokeback Mountain" temos finalmente nas telas a "coisa verdadeira", com direito a imagens dos personagens dos atores Heath Ledger e Jake Gyllenhal em nada sutis "conjunções carnais", com direito a explosões de quase violência sexual, gritos de prazer e dor e, claro, muito bafo quente na nuca de Jake.

Gracinhas à parte, "Brokeback Mountain" é um filme pioneiro, e são inegáveis as suas virtudes, com destaque para o roteiro primoroso de Larry McMurtry. Mas convenhamos, o assanhamento da Imprensa está demais, tem gente que anda exagerando. Um sujeito da Revista PREMIERE argumentou que Heath Ledger -- o cowboy mais macho do filme -- merece mais o prêmio de Melhor Ator do que Philip Seymour Hoffman, pois considera seu personagem muito mais emblemático para a causa gay do que a espetacular personificação que Hoffman fez do genial escritor americano Truman Capote -- curiosamente, um homossexual assumido desde sempre, ao contrário dos cowboys de armário de Ang Lee.

Eu não tenho nada contra homossexuais, mas confesso que fico bastante irritado quando eles tentam impor certos pontos de vista que só dizem respeito a eles como sendo "senso comum". Caiu nas minhas mãos um dia desses um texto publicado num jornal local em que um articulista gay, com linguajar acadêmico, defendia o filme com frases assombrosas como 'o amor é o oeste da alma" e "o establishment careta assiste atenta e respeitosamente o amor entre dois homens", entre outras pérolas.

Daí fiquei pensando no quão ridículo vai ser para a Academia de Artes e Ciências de Hollywood se decidir premiar "Brokeback Mountain" no próximo domingo por "razões políticas", e não por seus méritios artísticos. O motivo das aspas nas "razões políticas" é justamente a força do Lobby Gay da Indústria Cinematográfica, que não só fica mais poderoso, como consegue mais e mais espaço na Imprensa a cada ano que passa.

Se isso acontecer, não se espantem se nos próximos anos as produções de Hollywood acabarem assoladas por uma espécie de Síndrome Brokeback, que vai proporcionar às bichas da Indústria Cinematográfica um tipo de fiscalização semelhante ao que a Sociedade Protetora dos Animais faz com os bichinhos utilizados em filmes.

Acham que eu estou delirando?

Pois anotem aí: se a Indústria se render ao Lobby Gay que empurra (opa!) os responsáveis por "Brokeback Mountain" para o palco da Festa dos Oscars desse ano, nunca mais vamos poder ver bichas divertidas nos filmes de Hollywood. De agora em diante, só homossexuais com muita dignidade e com exemplos de vida edificantes. "Gaiola das Loucas", nunca mais. Eddie Murphy imitando policiais gays sadomasoquistas com língua presa da Polícia de San Francisco, nunca mais. Norm McDonald cantando "Mamas Don't Let Your Babies Grow Up To Be Gay Cowboys" no show de David Letterman, nunca mais.

E como se não bastasse isso tudo que cerca "Brokeback Mountain", vamos ter ainda na próxima cerimônia dos Oscars um show de hipocrisia na entrega a Robert Altman do Prêmio por Contribuição à Arte Cinematográfica. Justo ele, Altman, o cowboy fora-da-lei de Hollywood, que sempre manteve sua independência diante das regras dos Grandes Estúdios, e que achou uma maneira de conseguir sobreviver artisticamente à margem da própria Indústria. Vai ser engraçado, ainda mais se rolar alguma saia justa com os Membros da Academia, o que é bem provável que aconteça.

E talvez tenhamos ainda outro notório desafeto de Hollywood faturando o Oscar de Melhor Roteiro Original. Nada menos que Woody Allen, com seu soberbo "Match Point". Se isso acontecer, e mais uma vez não aparecer por lá para pegar a estutueta, ele jamais será perdoado. A não ser que, depois de uma vida inteira dedicada às mulheres, ele decida declarar-se gay. Aí tudo bem, perdoam ele na hora.Cuidado, Hollywood tem andado assim de uns tempos para cá. É a Síndrome Brokeback em ação. Preparem-se para o pior, pois não vai ser nada fácil daqui por diante. Conseguem imaginar como seria a Inquisição Espanhola com plumas e lantejoulas? Ou o McCarthismo com trilha sonora do ABBA? Pois vão descobrir...

A não ser que a Academia sofra uma recaída de seus ideais liberais e prefira premiar no próximo domingo o belo e desconcertante "Boa Noite, e Boa Sorte", de George Clooney, certamente o filme mais americano de todos os que estão no páreo do Oscar, até agora visto por poucos (por ter sido rodado em preto e branco), e que é um tapa na cara de qualquer um que viva de expedientes mentirosos e autoritários. E isso vale tanto para a hipocrisia de George Bush, ao fingir desconhecimento de causa em relação ao estrago que o Furacão Katrina seria capaz de fazer (e fez) no Sul dos Estados Unidos no início do ano passado, quanto para a cretinice da comunidade gay americana ao rejeitar "Capote", por achar que o caráter duvidoso de Truman Capote serve mal à causa gay.

Se "Boa Noite, e Boa Sorte" ganhar, eu juro que saio pelado pela rua na madrugada de segunda, fantasiado de Oscar, com o corpo coberto de gel dourado, abraçado a uma bandeira americana, e cantando "There's No Business Like Show Business".

Um comentário:

geniosa disse...

Nem sei como recebi seu email, perdoe-me recebo muitos emails por dia, mas gostei, li seu texto, sou apaixonada por cinema!

Obrigada pelo convite!
Um beijo
Bee scott