domingo, março 26, 2006

“O Plano Perfeito”: Com a Marca de Spike Lee (por Ricardo Calil) em cartaz no Roxy Multiplex - Santos


“O Plano Perfeito”, que estréia hoje no Brasil, é o que se convencionou chamar de “filme de encomenda”. O cineasta Spike Lee (“Faça a Coisa Certa”, “A Última Hora”) foi contratado por um produtor (Brian Grazer) para dirigir o roteiro de um terceiro (Russel Gewirtz).

Mais conhecido por suas diatribes raciais e sexuais, Lee poderia parecer uma escolha equivocada para a produção de um subgênero tão específico quanto o filme de assalto – que já rendeu algumas obras-primas como “Rififi” (1955), “O Grande Golpe” (1956) e “Um Dia de Cão” (1975). Mas muita gente irá se surpreender com o domínio que Lee demonstra sobre as convenções desse tipo de filme. Surpresa ainda maior será notar que, nas fissuras desse pequeno gênero, o cineasta conseguiu deixar impressas suas marcas pessoais.

Na excelente história bolada por Gewirtz, quatro assaltantes com uniformes de pintor, liderados por Dalton Russell (Clive Owen), invadem uma agência bancária de Nova York e seqüestram cerca de 50 pessoas. Para libertar os reféns, a polícia convoca o veterano detetive Keith Frazier (Denzel Washington). Já o dono do banco, Arthur Case (Christopher Plummer), convoca uma espécie de lobista, Madeline White (Jodie Foster), para também negociar com os ladrões e tentar reaver algo muito preciso que guarda na agência. Mas Russell revela-se um oponente muito mais inteligente do que eles imaginam, com um plano que parece não ter nenhum furo.Assim como o personagem, Spike Lee demonstra ter total controle da situação e um profundo conhecimento dos códigos do filme de assalto – que, na essência, é um jogo de esconde com o público. O cineasta sabe quando mostrar e quando ocultar elementos da trama, alterna habilmente momentos de tensão com outros de relaxamento, e sua câmera explora com a mesma elegância o “hui-clos” (situação sem saída) no banco e os espaços abertos de Nova York.Mas o que torna “O Plano Perfeito” um produto diferenciado não é sua precisão narrativa, mas o fato de Lee conseguir contrabandear muitas de suas obsessões pessoais para dentro das convenções do filme de ação. Ele consegue tornar particular o genérico. Todas as interações do filme – do ladrão com o detetive, deste com a lobista, desta com o dono do banco, de todos eles com os coadjuvantes – são relações de poder. Há no filme várias cenas com subtexto racial ou sexual, com personagens que sofrem preconceito pela cor de sua pele ou mulheres vistas apenas como objeto de desejo. Mas, no fundo, o que está sempre em jogo é o poder.

Nos filmes de Lee, o mundo não se divide entre brancos e negros, pobres e ricos, como se pode imaginar, mas sim entre aqueles que querem dominar e os que se deixam subjugar. O cineasta sempre prega que estes últimos se rebelem contra os primeiros. Às vezes, de forma direta, como em “Faça a Coisa Certa” ou “Malcolm X”. Em outras, de maneira indireta, como em “A Última Noite” e neste “O Plano Perfeito”.

Ainda que Lee tenha uma carreira irregular, que transita entre filmes brilhantes e outros decepcionantes, não dá para negar que ele é um dos cineastas mais coerentes e incisivos que existem na atualidade. Por trás de toda sua obra, mesmo de um filme de ação “inocente” como “O Plano Perfeito”, está o velho bordão de sempre, título de uma famosa música do Public Enemy: “Fight the Power”.

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