sábado, março 11, 2006

Oscar 2006: Muita Viadagem, Muita Cientologia, Pouco Cinema (por Chico Marques para Trupe da Terra)


Nunca a entrega anual de prêmios da Academia de Artes e Ciências de Hollywood foi tão politicamente correta quanto nessa sua última edição.

Por conta da presença de "Brokeback Mountain" no páreo principal do Oscar, nenhuma piada sobre bichas foi disparada pelo apresentador Jon Stewart durante a cerimônia. Para se ter uma idéia dos cuidados que a produção do evento tomou , as únicas piadas do gênero na transmissão do Oscar foram ao ar pouco antes da cerimônia começar, em sketches pré-gravados com os ex-apresentadores da festa nos anos anteriores.

A melhor dessas piadas mostrava a "cabana ninho de amor" dos dois cowboys ao pé da Montanha Brokeback. De repente, de dentro dela, saem as cabeças de Chris Rock e Billy Crystal, dizendo que não podem apresentar a festa desse ano porquê estão muito ocupados. E voltam rapido para dentro da cabana.

Em seguida, Steve Martin e Dave Letterman, também ex-apresentadores em anos anteriores, posam de casal gay e alegam que não podem apresentar a festa este ano porquê precisam cuidar dos filhos de Steve, para que não assistam qualquer coisa na TV e cresçam "esquisitões". Detalhe, as crianças de Steve Martin tem cabelos grisalhos, idênticos aos de Steve.

Por último, o próprio Jon Stewart é acordado por uma insinuante Jennifer Lopez deitada ao seu lado na cama, e é convidado por ela para apresentar a festa deste ano. Ele acha que está sonhando, daí vira para o lado e volta a dormir. Então, logo em seguida, surge George Clooney, igualmente deitado ao seu lado na cama, fazendo a mesma proposta. Stewart olha para a cama, sorri e aceita de imediato.

Pois bem, toda e qualquer brincadeira com viadagem nos Oscar 2006 parou por aí.

Assim que começou a festa, acabaram-se as piadas sobre bichas.

Toda essa correção parecia indicar que "Brokeback Mountain" seria o grande vencedor da noite. Mas, como todos vimos, não foi bem o que aconteceu. "Crash", filme do canadense Paul Haggis, surgiu quase do nada e em poucas semanas alcançou a liderança na preferëncia dos membros votantes da Academia.

Como isso aconteceu?

Muito simples. "Crash" é todo construído em torno dos fundamentos da Cientologia, que é a religião da moda de 9 em cada 10 "mentes privilegiadas" de Hollywood -- que, diga-se de passagem, são os membros votantes na Academia.

Cientologia, para quem não sabe, é uma espécie de Budismo sem divindades, com toques de Jung e muita "filosofia de auto-ajuda". Ou seja, 171 forte. Quem quiser saber mais que procure pela Internet. Eu me recuso a fazer divulgação desse tipo de empulhação.

Pois 'Crash" parte da premissa que as pessoas em Los Angeles não se relacionam. Trombam-se umas com as outras nas ruas, de diversas maneiras, todas pouco saudáveis, e -- ai ai ai -- sempre movidas por algum tipo de intolerância racial. O que é uma associação tão leviana quanto cretina, que obviamente não resiste a nenhum estudo sociológico sério, mas mesmo assim parece estar sedimentada na "base filosófica" da Cientologia.

Com todos esses elementos em mãos, Paul Haggis, o diretor e roteirista de "Crash", desenvolveu um "filme mosaico" que não aprofunda em nenhum dos temas levantados por seus diversos personagens, todos aparentemente à deriva de suas próprias existências. Até que então, uma espécie de consciência cósmica trata de começar a acertar o meio de campo de todos eles e a distribuir lições de vida, até porquê é Natal e -- pasmem -- está nevando em Los Angeles, coisa que raramente acontece.

Ou seja, "Crash" bem que gostaria muito de ser uma espécie de versão junguiana e moderna de "It's A Wonderful LIfe", de Frank Capra. Mas não é coisa alguma. É um dos filmes mais ocos, mais rasos, mais pretensiosos e mais decepcionantes vindos da cena independente de Hollywood nos últimos anos. É um "Magnólia" coado e desnatado. Um "Short Cuts" unidimensional. Um "Grand Canyon" esquálido, bem ao espírito da Era Bush. O fato de ter sido premiado mostra claramente o quanto a Indústria está aberta a projetos de filmes demagógicos e pouco sérios. O Festival Sundance com certeza vai sentir os efeitos desse oportunismo artístico em suas próximas edições.

Fora isso, tivemos a pasmaceira de sempre. Steven Spielberg saiu injustiçado com seu ótimo "Munique". George Clooney levou a estatueta de Melhor Ator Coadjuvante por "Syriana" -- deveria ter ido para William Hurt, por seu trabalho espetacular em "Marcas da Violênica", de David Cronenberg --, e seu belíssimo "Boa Noite...e Boa Sorte" terminou a noite sem nenhum Oscar. Os filmes de Woody Allen e Terrence Malick foram solenemente esnobados, e voltaram para casa de mãos abanando. E "Capote" e "Walk The Line" levaram menos prêmios do que mereciam.

Para completar, "Brokeback Mountain" acabou privado de sua Apoteose Final, perdendo o prêmio de Melhor Filme, apesar de ser o franco favorito da noite. A gritaria do Lobby Gay na Imprensa Mundial no dia seguinte à Festa dos Oscars chegou a beirar o ridículo. Um Webgrupo chamado 'Ultimate Brokeback Forum" tentou deflagrar uma campanha para arrecadar fundos com as Comunidades Gay no mundo inteiro para publicar anúncios de desagravo à decisão da Academia. Isso no mundo inteiro. Com o Lobby Gay é assim: hoje, "Brokeback Mountain"; amanhã, o mundo...

Por mais que os defensores incansáveis de "Brokeback Mountain" neguem-se a entender o que aconteceu, a coisa toda é muito clara para quem está do lado de fora. O Lobby Gay é chato. Comportou-se de forma ostensiva nos últimos meses, puxando bilheteria para o filme no mundo inteiro. O discurso cansou, e eles não se deram conta. Até a não-premiação de Philip Seymour Hoffman eles defenderam, sob a alegação de que sua personificação totalmente amoral de Truman Capote servia mal à Causa Gay. Queriam que o fraquíssimo Heath Ledger levasse o Oscar de Melhor Ator, imaginem só...

Além do mais, ainda transformaram a vida do coitado do Ang Lee num inferno. Fizeram dele um "ícone gay" ocidental, apesar dele ser heterossexual e pensar como um oriental. Em consideração a ele, a Produção da Festa dos Oscars fez questão de mostrar o tempo todo a imagem da mulher dele na poltrona ao lado, para dar um cala boca nas bichas que criaram a intriga. Por muito pouco elas não arrumam uma encrenca internacional com o Governo de Taiwan, que considera Ang Lee orgulho nacional.

Não há o que discutir. Na queda de braço entre o Lobby da Cientologia a o Lobby Gay, o Cinema acabou levando a pior na Noite dos Oscars.

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